sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Quem vai arbitrar esse jogo?

Os governantes não são eleitos por todos e a maioria precária que os elege não gera poderes absolutos. Ter consciência disso deveria dar um pouco de humildade aos dirigentes, mas eles continuam se comportando como se o diploma da Justiça Eleitoral fosse uma escritura de propriedade sobre o bem público.

Repete-se a sina denunciada por Max Weber: ‘Em uma democracia, o povo escolhe um líder em quem confia. Então o líder escolhido diz: ‘Agora calem-se e me obedeçam!’. Mas a democracia não gera um cheque em branco: estabelece uma delegação limitada e provisória.

Na Constituição do Brasil, alias, não está dito que o poder deriva apenas do voto: consta lá que ele emana do povo e, além da delegação via voto, será exercida também diretamente. São duas pontas:  sem amarrar as duas não há democracia. Sem que a democracia direta forneça a metade dos ingredientes da sopa, não haverá jamais plena democracia no cardápio.

A crise capitalista avança e vai pegando geral, aumentando o descontentamento com os gestores. Diminui a receita pública e a disputa pelos caraminguás restantes  cresce:  quem sofrerá mais com os cortes no orçamento: os amigos do rei ou a população mais pobre?

Será obrigatório, portanto, racionalizar a gestão. Com as exigências populares crescendo, será necessário administrar os conflitos. De que forma? Usualmente ocorre a imposição autocrática pela força, porque jamais houve a tomada de decisões pela sociedade organizada.  Ou pela Justiça, onde os conflitos normalmente desembocam. Nos dois casos, as interpretações ficam a cargo dos doutos, longe do crivo do desprezado ‘andar de baixo’.

Os governantes não querem extinguir ministérios e secretarias. Nem pensam em zerar as nomeações de aspones para aproveitar os bons servidores públicos, criando controladorias e convocando conselhos populares para uma cogestão.

Mas na peleia pelos recursos públicos, algum vencedor haverá:  será o financiador de campanha ou o cidadão mais necessitado? A questão agora é quem vai arbitrar esse jogo: a Câmara Municipal?

Hoje, caída na lama e na vergonha , muitas câmaras municipais beiram a completa desmoralização. É espantosa a soma das abstenções com os votos nulos e brancos. Parte da população já sentiu é que enrolada amplamente pelos marqueteiros e seus candidatos produtos, elaborados em laboratórios publicitários. Assiste-se a um poder político que falsifica tudo na elaboração do Fulano-líder na forja da propaganda.

As câmaras começaram a se desmoralizar pouco depois da Independência do tipo caviar, da qual até se ouve falar, mas não se saboreia no cotidiano. Até 1828, o poder local era exercido  por meio de um sistema de conselhos populares.

O Império então, decidiu amarrar as câmaras para impedir a verdadeira independência: liquidou o poder popular exercido pelos conselhos dos cidadãos. Hoje, você fala em conselhos populares e as pessoas estranham, acostumadas á autocracia. Ignoram que os conselhos populares governam a maioria das localidades bem administradas do mundo.

A democracia ainda precisa ser conquistada.  Uma observação  até superficial da realidade brasileira deixa bem claro que ainda não a temos: depois das eleições municipais, mandaram-nos calar. Mesmo resmungando, silenciamos e esperamos.

Acostumados com a autocracia, levaremos um susto quando, repentinamente, a democracia ao virar uma esquina nos der uma trombada. Pode ser até que a gente reclame um pouco por esbarrar nessa desconhecida.

Alceu A. Sperança é escritor

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